miércoles, 29 de septiembre de 2010

O inferno pode ser aqui

POR JEAN WYLLYS

Há dois dias eu participei de um debate no Colégio Dom Pedro II (Rio de Janeiro) com um pastor evangélico neopentecostal candidato a deputado federal. Em pauta, a importância da educação sexual leiga, livre de paixões religiosas, em escolas públicas de ensinos fundamental e médio. As falas do tal pastor – todas contrárias a qualquer programa de educação sexual leiga em escolas públicas e especialmente intolerantes em relação à homossexualidade - bem como a acrítica recepção das mesmas pelos alunos evangélicos presentes (que, embora fossem minoria, faziam-se notar pelo fervor com que recebiam as palavras do pastor) me levaram à seguinte conclusão: eis uma situação paradoxal: por um lado, a comunidade dos crentes cresce na mesma proporção em que se afasta ou se esquece da política (para só se “lembrar” dela na hora do voto), ou seja, é cada vez maior o número de pessoas que trocam o interesse e/ou a luta por justiça e felicidade aqui na cidade dos homens pela crença e interesse apenas na justiça divina e numa vida boa na cidade de Deus, no “paraíso” depois do “juízo final”; por outro lado (e eis o paradoxo!), crescem as bancadas de políticos cristãos evangélicos nas câmaras de vereadores, assembléias legislativas e no Congresso Nacional: o rebanho de crentes deve se esquecer da política (e só se “lembrar” dela de eleição em eleição) para que seus pastores consigam colonizar o Poder Legislativo e, assim, atuem contra os princípios democráticos e as liberdades constitucionais e em favor da aplicação de preceitos cristão numa sociedade tão diversa étnica e religiosamente quanto a nossa. Lembrem-se, por exemplo, dos esforços dos evangélicos Rosinha Matheus e Garotinho em liquidar os princípios republicanos e o laicismo que, até eles se tornarem governadores do Rio de Janeiro, norteavam a educação pública fluminense, impondo, à grade escolar, o ensino do “criacionismo”, cujo objetivo é descartar a tese da evolução das espécies de Darwin, consenso na comunidade científica, em nome do mito judaico-cristão de que Deus criou a terra e todo o resto há pouco mais de seis mil anos. Durante o debate com o pastor evangélico e candidato a deputado federal a que me referi, o mesmo fez tabua rasa de todo conhecimento que a ciência moderna vem nos legando ao longo de sua existência para reafirmar, como verdades absolutas, os mitos bíblicos, que, à luz da razão ou até mesmo da sensatez de cristão instruído, não devem jamais ser tomados ao pé da letra, apenas interpretados, já que não passam de figuras literárias que encerram alguma “filosofia de vida” em suas entrelinhas. A conclusão a que cheguei não é estapafúrdia. Para reconhecer que estou certo, basta recuperar os resultados das últimas eleições: foram os candidatos extremistas religiosos, fundamentalistas, populistas e quase sempre ligados às igrejas neopentecostais que se multiplicam em “franquias” pelas periferias e áreas pobres das cidades, como se fossem McDonald’s, que conseguiram se eleger, derrotando candidatos honestos comprometidos com valores humanistas e envolvidos com os movimentos negro, feminista, LGBT e ambiental. O compromisso de não contemplar nenhuma reivindicação dos movimentos feministas e LGBT, firmado pelos candidatos à presidência José Serra, Marina Silva e Dilma Rousseff com líderes evangélicos brasileiros em troca de seus apoios, é outra prova de que minha conclusão é acertada. Se as bancadas de evangélicos fundamentalistas crescerem após as eleições de outubro próximo, temo pelo destino de nossa jovem democracia. Não se trata de antipatia em relação a crentes (eu tenho bons amigos evangélicos!) nem de negar, à comunidade dos crentes, o direito à representação. Se os representantes evangélicos reconhecessem que um Estado Democrático de Direitos deve estar livre de quaisquer paixões religiosas e atuassem em defesa das liberdades constitucionais e dos direitos humanos, reservando, para a esfera privada, as questões de fé e crença religiosa (uns poucos até agem dessa forma, é preciso que se reconheça isto!) , o crescimento das bancadas evangélicas não seriam um problema para a democracia e para suas minorias; estaríamos num “paraíso”. Porém, a história vem mostrando que não é assim que eles, os representantes da comunidade de crentes, agem politicamente. Logo, só podemos esperar, deles, uma condenação dos “infiéis” a um “inferno” em terra.

O inferno são os outros

POR JEAN WYLLYS

A coluna da semana passada - intitulada “O inferno pode ser aqui” – causou polêmica entre meus leitores. Digo isto a partir dos emails pró (a maioria deles) e contra que recebi ao longo da semana. O senso comum de que política, futebol e religião são assuntos que não devem ser discutidos porque levam fatalmente a controvérsias e polêmicas quando não a violências verbais e físicas, este senso comum é o mais contrariado, pois o que mais discutimos é justamente futebol, religião e política. E eu, de minha parte, gosto de discutir estes assuntos. Por isso é que, entre os emails contra a coluna da semana passada que recebi, selecionei, para responder, aquele mais emblemático porque sintetiza, num texto razoavelmente escrito dentro das normas da língua, os argumentos de todos os outros e porque foi escrito por um professor dos ensinos fundamental e médio que eu chamarei de M para preservar sua identidade. Em seu email, M diz: “Quando vocês LGBT tentam nos rotular de fundamentalista é porque vocês ignoram que para nós a Bíblia não é um mito, para nós as escrituras é a palavra de Deus. Não digo isto para te afrontar, mas é assim que é e sempre será. (...) por isso somos contra o aborto, adoção de crianças por homossexuais e casamento homossexual, afinal nenhum ser humano veio de uma relação de pessoas do mesmo sexo, e isso não é questão de religião, é a natureza estruturada perfeitamente em seu lugar”. M não pára por aí e vai além em seus “argumentos”: “temos também esse direito [de expressão] e faremos uso dele para dizer à igreja cristã, não votem em quem defende causas antibíblica. (...). Acredito que se houvesse um plebicito [sic], e espero que tenha, a nação brasileira diria não! a essas serie [de] questões que estamos pautando. (...).Vamos confronta [sic] tudo que é forjado e deturpado na desigualdade ou privilégios de uns para com os outros, e para isso dizemos hoje para igreja evangélica no Brasil, Não votem em candidatos que defendem causas do LGBT”. Bom, eis minha resposta para M:
Não pode haver diálogo entre nós porque eu falo como um homem de ciência e não como um religioso. Não me pauto em dogmas nem em mitos tomados como verdades absolutas (mitos são mitos e apenas isto; e quem os toma como verdades absolutas são fundamentalistas, sim, pois, estão tomando os fundamentos da religião – e toda e qualquer religião é fundamentada em mitos - como verdades incontestáveis; há fundamentalistas cristãos evangélicos e católicos, mulçumanos, judeus e até mesmo nas religiões de matriz africana), pauto-me pelo conhecimento produzido pela humanidade que nos legou, entre tantas coisas, a roupa que você veste; a técnica de produção do papel com o qual é fabricado a bíblia que você lê (ou você acha que ela caiu do céu?) sem falar da própria técnica de impressão; o computador a partir do qual você me mandou seu email; e as técnicas de reprodução humana que libertaram o sexo de sua função reprodutiva, permitindo que uma mulher ou um homem estéril possa ter filhos fora das “leis” da natureza (será que cada vez que você faz sexo é para ter um filho ou você admite que faz sexo também porque gosta de gozar e porque gozar é prazeroso e nos faz pessoas saudáveis?). Ou seja, seu argumento não passa de uma falácia ou de fruto de uma ignorância expressa. Se você quiser levá-lo adiante com honestidade; se quiser que eu o leve em conta e lhe considere uma pessoa honesta consigo e com os outros, sugiro que abra mão de tudo que é conquista cultural e vá viver como um animal de acordo com as “leis” da natureza; só assim, você estará sendo honesto em usar o argumento de que “nenhum ser humano nasceu da relação entre dois homens ou duas mulheres”. Do contrário, admita sua enorme ignorância – eu temo pelo destino da mentalidade de seus alunos – e sua homofobia expressas. Ou admita sua má fé e a intenção de manipular politicamente o conteúdo bíblico, que, volto a dizer, não traz qualquer referência à homossexualidade e deve ser interpretado, pois, se o tomássemos ao pé da letra, deveríamos praticar, em pleno século 21, algo abominável e desumano como a escravidão de pessoas, pois, é o que recomendam trechos dos livros Levítico (25, 44-46) e Êxodo (21, 7-11) e das cartas de Paulo aos Efésios (6, 5-7) e a Timóteo (I, 6, 1-4). Tenho amigos cristãos evangélicos que são inteligentes e compreendem que a religiosidade deve dar um sentido às grandes questões da existência, jamais ser manipulada para amedrontar pobres ignorantes e, assim, arrancar, deles, seu pouco dinheiro. Aliás, por falar em dinheiro, não nos esqueçamos de que Jesus – grande sábio que, se vivo estivesse, morreria de vergonha da hipocrisia dos que falam em seu nome hoje em dia – açoitou os vendilhões do templo! O que não falta hoje em dia são templos com seus vendilhões, que, embora sirvam principalmente ao deus-dinheiro, acreditam que o inferno são os outros.

miércoles, 8 de septiembre de 2010

Casamento civil é um direito

Carlos Tufvesson
Estilista

[O Dia, 08/09/2010] Rio – Em 15 de julho, o Senado da Argentina aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que isso significa? Que esses cidadãos têm, a partir daquela data, os mesmos direitos que qualquer cidadão argentino, direitos e deveres que um deputado, quando faz uma lei, entende que dois cidadãos que dividam sua vida em comum possuem — de acordo com uma constituição que diz que a lei é igual para todos.

Isso não mudará as leis da Igreja Católica ou evangélica ou muçulmana ou quiçá dos terreiros de umbanda daquele país. Nenhuma religião será obrigada a casar ninguém, pois a lei se refere ao Código Civil Argentino e, como disse no artigo publicado na semana passada, cada religião possui suas próprias leis e regras e ninguém mudá-las.

Significa apenas, e nada além disso, que direitos tais como declarar imposto de renda em comum, direitos a herança, partilha de bens, somar empréstimo para aquisição de casa própria, entre outros 78 que são direitos constitucionais de qualquer cidadão brasileiro, nós, cidadãos homossexuais deste País, teríamos também, corrigindo um flagrante descumprimento constitucional.

Por isso, tomo por ignorância e manipulação de massas essa caça às bruxas que existe contra essa lei por parte de religiosos, já que ela nada tem a ver com religião. Isso aconteceu da mesma maneira com a lei do divórcio, igualmente combatida na época de sua aprovação e discussão em sociedade.

Discursos clamorosos como o da “extinção da família” e “lei do Anti-Cristo” eram ouvidos tal e qual. O que vemos hoje? Vale na justiça dos homens, mas as igrejas continuam não aceitando. E assim deve ser.

Estado e religião quando se misturam não governam para todos os cidadãos. Isso não esquecendo que, desde as cruzadas, é a maior causa das guerras em nosso planeta.